Entrevista com o psicólogo Luc Vandenberghe
Psicólogo, de nacionalidade Belga.Possui graduação em Psicologia - Rijks Universiteit Gent, mestrado em Psicologia Clínica e do Desenvolvimento - Rijks Universiteit Gent e doutorado em Psicologia - Université de l'Etat à Liège todos na Bélgica. Atende em consultório particular e é professor adjunto da PUC de Goiás. Formação clínica e experiência como psicoterapeuta comportamental no tratamento de transtornos de ansiedade e na terapia de casal. Possui formação em pesquisa qualitativa e experiência com teoria fundamentada nos dados (grounded theory) e pesquisa ação (action research). Orienta trabalhos nos seguintes temas: (1) O relacionamento pessoal entre psicoterapeuta e cliente - o envolvimento pessoal do profissional com a pessoa ou com o grupo atendido (ou o relacionamento entre profissional da saúde e paciente ou entre equipe e população atendida) - atenção para as dimensões sociais e ambientais. (2) Vulnerabilidade e coping, risco, proteção e resiliência em profissionais e em populações. (Envolvimento de Cultura, Religião e Espiritualidade - Contribuições da meditação e do contato com a natureza na promoção da saúde)
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ENTREVISTA
1. Projeto Movimento: Vimos que o senhor tem muitas pesquisas, artigos e orientações quanto ao tema dor crônica. O que motivou o senhor a fazer estudos nessa área?
Dr. Luc Vandenberghe: Em realidade, foi a área que me encontrou, por coincidência. Na década de 1980, ainda na Bélgica, fiz estágio clínico em um hospital geral. Uma das minhas tarefas envolvia uma colaboração intensa com a medicina física e a reabilitação. Esse trabalho incluiu o tratamento de dor crônica com biofeedback e reprocessamento emocional. Assim, construí uma experiência em psicologia da saúde, apesar da minha especialização focar na psicologia clínica e na psicoterapia. Quase vinte anos depois, quando já estava lecionando psicologia em Goiânia, duas alunas de psicologia, Cristina Ferro e Ana Carla da Cruz, me procuraram para supervisionar o grupo que elas tinham montado de psicoterapia para dor crônica. Percebi que as abordagens psicológicas na literatura eram mais do tipo “apoio” e não tinham a intenção “curativa” que o paciente, em minha opinião, busca. Desenvolvemos uma abordagem psicoterápica em grupo, sobre a qual publicamos depois. Foi o início de muitos grupos e projetos de dor crônica. Durante 15 anos, aproveitando dos desenvolvimentos recentes na psicoterapia, tentei construir um tratamento psicológico que poderia significativamente ajudar a pessoa com dor crônica.
2. Projeto Movimento: A dor crônica tem caráter multidimensional, sendo assim, como você vê os benefícios de um tratamento multidisciplinar? O senhor já teve a experiência de tratar um paciente com dor crônica, onde existiam profissionais de outras áreas envolvidos?
Dr.Luc Vandenberghe : O psicólogo clínico na equipe que trata pessoas com dor crônica pode ter várias contribuições. (1) Pode ajudar a superar o medo que a pessoa tem da dor, esse medo leva a uma vida de passividade e esquiva, o que torna a pessoa mais vulnerável à dor. (2) Pode ajudar a pessoa a modificar padrões interpessoais que pioram a dor, por exemplo, o padrão onde a pessoa se comunica através de expressões (faciais ou corporais) de dor e onde recebe apoio e a atenção dos seus próximos por se comunicar através da dor. (3) Pode ajudar a pessoa a entender como suas maneiras de pensar e de agir pioram a dor, e como pode modifica-las para diminuir o impacto da dor. (4) Pode ajudar a pessoa a lidar de forma melhor com a vivência interior da dor. (5) Pode ajudá-la a reconstruir sua vida de forma que a dor não esteja no centro de sua vida e evitando alimentar a sensação da dor.
Um exemplo de colaboração multidisciplinar envolve o fisioterapeuta que pode ajudar o paciente a desenvolver melhores hábitos posturais ou a gradualmente arriscar-se a enfrentar movimentos dos quais tenha medo. Em certos casos, pessoas com dor crônica evitam movimentos e posturas adequadas, porque temem que provoquem mais dor. Por evitar esses movimentos e posturas, muitas vezes prejudicam sua condição física e ficam mais vulneráveis a dor. Outro exemplo: Muitos pacientes com dor crônica tendem a contrair continuamente os músculos em torno dos lugares onde sintam dor, gerando assim mais dor. O fisioterapeuta pode ensinar o paciente a descontrair a musculatura. Depois de um tempo, muitos pacientes percebem que desta forma a dor diminui. O psicólogo pode contribuir nesse trabalho com exercícios de relaxamento ou meditação.
3. Projeto Movimento: Algumas vezes o paciente com dor crônica, por se tratar de uma condição multifatorial, é encaminhado pelo médico para procurar um psicólogo. Algumas vezes o paciente não entende o porquê e lida com isso de forma a acreditar que o próprio médico não esteja acreditando que a dor dele seja real. Como você lida com esse tipo de paciente?
Dr. Luc Vandenberghe: Precisa explicar bem o que o psicólogo pode oferecer e combinar claramente com ele quais dos 5 objetivos que mencionei acima, o paciente quer trabalhar com o psicólogo.
4. Projeto Movimento : Um dos papeis do psicólogo é identificar formas de enfrentar a dor e buscar junto com o paciente, melhoras estratégicas para obter um resultado positivo. Como você vê a importância do empenho do paciente em buscar alternativas junto ao profissional a fim de melhorar a sua dor?
Dr. Luc Vandenberghe: Na psicoterapia, o paciente deve ser quem traz a motivação. Se o terapeuta é a pessoa mais motivada na sessão, dificilmente vai funcionar. O psicólogo só pode ajudar quando o paciente se engaja plenamente e com determinação. Para a pessoa com dor crônica, que geralmente já teve muitas experiências negativas e desilusões com tratamentos prévios, é às vezes difícil construir uma relação colaborativa, transparente e genuína, porém, sem uma relação terapêutica sincera, o paciente não tem bons motivos de confiar no tratamento e provavelmente não terá um bom empenho.
5. Projeto Movimento: Haja vista suas pesquisas, como o senhor vê o tratamento em grupo para pacientes com dor crônica? Acredita que seja importante para amenizar o comportamento de dor que o paciente adquire quando acometido por alguma dor crônica?
Dr.Luc Vandenberghe: O grupo é um microcosmo social, onde o paciente vive tanto suas dificuldades interpessoais quanto seus problemas interiores. O grupo e o terapeuta juntos o ajudam a compreender o que está vivendo e ele pode desenvolver, de forma mais consciente, novas formas de lidar tanto com seus relacionamentos (onde o comportamento da dor é um fator importante) quanto com sua vivência interior dos problemas.
6. Projeto Movimento: Em um dos seus artigos o senhor fala no ciclo que mantém a dor, como o senhor acredita que o paciente possa quebrar esse ciclo vicioso?
Dr. Luc Vandenberghe : Ele pode quebrar o ciclo em vários pontos, mudando a maneira em que comunica suas necessidades emocionais com pessoas próximas ( através de melhores maneiras do que com o ciclo da dor), organizando suas atividades em função dos seus valores (e não em função da dor), voltando a enfrentar atividades, movimentos e posturas corporais que são saudáveis e funcionais (apesar do medo que ele pode ter), desenvolvendo uma atitude mais crítica a respeito das suas maneiras de pensar e o que acredita a respeito do seu sofrimento, rejeitando suposições arrazoáveis e pensamentos truncados que o deixam mais tenso e mais vulnerável à dor, etc.
7. Projeto Movimento: Qual o conselho do Senhor para nós, estudantes ou profissionais da fisioterapia, para lidarmos com pacientes com dor crônica, onde o estresse e problemas emocionais são muito recorrentes e acarretam o aumento da dor, uma postura de tensão, alerta, emoções negativas e mesmo de abandono de atividades do dia-a-dia e exercícios físicos?
Dr. Luc Vandenberghe : Como psicólogo sugiro que o profissional deve tentar ver a situação da perspectiva do paciente para poder lidar com as dificuldades que o paciente tenha durante o tratamento, inclusive, eventual resistência de fazer exercícios ou de cumprir com o tratamento. É necessário compreender que o paciente, muitas vezes já foi desiludido e não tem fé num novo tratamento. Além disso, pessoas que já sofrem com a dor durante muito tempo, às vezes organizaram sua vida e sua vivência interior de forma que acomoda a dor constante e incorpora os padrões de esquiva como aspecto importante no seu dia a dia. Para tais pessoas, pode ser difícil se prontificar para uma mudança drástica. O ponto mais importante é que o paciente deve receber informações detalhadas e deve compreender como o tratamento funciona e quais expectativas realistas ele pode ter.
Luc Vandenberghe .Goiânia, 04/05/2015