Entrevista com o Fisioterapeuta Artur Padão

Artur Padão Gosling

Graduado pelo Instituto Brasileiro de Medicina de Reabilitação em 2004. Mestrado em Ciências / Clínica Médica na UFRJ com projeto de estudo em dor neuropática de pacientes tratados para Hanseníase. Especialista em Fisioterapia Esportiva pela SONAFE. Trabalha como Fisioterapeuta no Estúdio Interdisciplinar Prolife de Exercício Físico no Rio de Janeiro atendendo pacientes com dores crônicas persistentes e de difícil controle. Coordenador da Câmara Técnica em Dor do CREFITO-2 RJ. Tesoureiro da Regional RJ da Sociedade Nacional de Fisioterapia Esportiva. Instrutor do Grupo de Resgate e Emergência em treinamentos e capacitação profissional em Suporte Básico de Vida e Primeiros Socorros desde 2001.

 

1. Projeto Movimento: A dor crônica é um assunto muito interessante e que atrai a atenção de muitas pessoas quando mencionada atualmente. A que se deve tal interesse?


Dr. Artur: Acho que a dor crônica chama a atenção atualmente pois vem sendo considerada um problema de saúde para as pessoas, como uma doença crônica. Não necessariamente a pessoa tem uma doença em si, mas se sente doente por ver sua saúde prejudicada pela persistência da dor e pelas suas repercussões em sua rotina diária. Tanto pacientes como profissionais de saúde tentam justificar a dor, de forma equivocada, por meio de lesões, doenças ou patologias. Desta forma, entende-se a dor como um sinal de algo errado e sintoma a ser combatido. Se a dor persiste, então o problema persiste. Nos últimos anos, com o avanço nas pesquisas da neurociência e nas pesquisas clínicas de outras áreas como a fisioterapia e psicologia, a dor crônica ganhou uma importância enorme, no sentido de se ter outras opções na avaliação e tratamento eficaz, com menos efeito colateral e com maior foco em fatores psicossociais e na melhora da funcionalidade em geral.

2. Projeto Movimento: Quais seriam os principais impactos da dor crônica na vida dos indivíduos acometidos?


Dr. Artur: São vários esses impactos. Quando a dor não passa, a intensidade incomoda, as atividades ficam prejudicadas, o humor muda, a pessoa sente-se triste e começa a ter medo de atividades por se sentir em risco de se machucar, “ai o bicho pega”. O impacto socioeconômico se reflete nos gastos em tratamentos como cirurgias, onde sabe-se que mais de 90% dos casos de dor lombar poderiam ser resolvidos com tratamento conservador (ex. fisioterapia). Porém, mais de 50% desses casos vão para a cirurgia no Brasil, elevando os custos do tratamento. A dor pode gerar um impacto na capacidade funcional tão grande ou maior mesmo que muitas doenças neurológicas e ortopédicas, necessitando dos cuidados da fisioterapia. Já o impacto psicossocial é indiscutível, no sentido de afetar a rotina diária, modificar os hábitos, isolar-se de atividades prazerosas, deprimir uma pessoa, sendo que suas capacidades mentais (memória, pensamentos, tomada de decisão, planejamento) e funcionais (atividades, exercício) ficam prejudicadas. Ter dor a muito tempo não significa um problema. Por exemplo, uma pessoa pode ter dor lombar a muito tempo, de forma eventual, e manter sua rotina de atividades sem impacto em sua vida, sendo capaz de enfrentar bem essa situação e conseguir resolver seu problema. Aliais, isso é mais comum do que a gente imagina.

3. Projeto Movimento: Vamos falar do ato de movimentar-se. Gostaríamos de saber sua opinião sobre o movimento em pacientes com dor crônica musculoesquelética.


Dr. Artur: O estudo do movimento é um dos grandes diferenciais do fisioterapeuta. Os fatores biopsicossociais que estão envolvidos na experiência dolorosa mudam a forma de uma pessoa se movimentar: tudo fica mais lento, protetor, defensivo, travado, muda suas as amplitudes e o padrão. Isso tem uma relação direta com a capacidade funcional e com as repercussões negativas no sistema musculoesquelético. Eu acredito que a principal recomendação para o tratamento da dor crônica musculoesquelética é o exercício físico. Para isso, é muito importante que o fisioterapeuta tenha atenção as capacidades e participação em atividades do seu paciente com dor crônica musculoesquelética. Isso irá facilitar a prescrição das dosagens (limiar, tempo e intensidade), progressão e metas a serem alcançadas. Em relação ao alívio da dor, o paciente deve ser avisado que é provável que o início dos exercícios provoquem dor muscular tardia e talvez aumentem as queixas atuais. Porém, estudos em pacientes com dor lombar e fibromialgia mostram que se esses pacientes tiverem foco e persistirem, a intensidade da dor irá diminuir, principalmente quando for alcançada uma regularidade nos exercícios. Isso significa que o sistema nervoso vai estar mais equilibrado, menos sensível e regularmente liberando substâncias analgésicas como as endorfinas.

4. Projeto Movimento: Quais aspectos você considera importante para a qualidade de vida de um indivíduo com dor crônica?


Dr. Artur: A qualidade de vida é um aspecto muito individual. Pode ser que para uma pessoa, ter qualidade de vida seja fazer atividades ao ar livre e para outra poder passear com seu cachorro na rua (relato de uma paciente minha). Mas, se olharmos bem para os diversos componentes de giram entorno da qualidade de vida na dor crônica, acho que as capacidades físicas, aspectos psicológicos e sociais são pontos em destaque. Ter menos dor pode fazer uma pessoa ter mais qualidade de vida, pois talvez permita uma maior participação em atividades. Porém, o alívio da dor muitas vezes não é suficiente para alcançar esse ganho. Mesmo com a dor menos intensa, pessoas mantém suas incapacidades e dificuldades de lidar com a dor. Por isso que o tratamento é multifatorial e entendendo o que significa qualidade de vida para cada indivíduo.

5. Projeto Movimento: Como a Fisioterapia pode atuar ajudando pessoas que tem dor crônica?


Dr. Artur: A formação do fisioterapeuta envolve o aprendizado de uma série de habilidades que tem tudo a ver com as questões envolvidas num paciente com dor crônica: estudo do movimento e das funções, exame neuromusculoesquelético, atenção e cuidado regular ao paciente, encontros regulares com o paciente, grande número de intervenções capazes de aliviar a dor e de ganhar função, abordagens que envolvem dimensões cognitivas e comportamentais. Nenhuma outra profissão prepara um profissional de tal forma. Ainda precisamos aprender a usar essa vantagem. Existem muitas maneiras que conseguir o alivio da dor: usando as mãos (Terapia manual, Massagem), correntes elétricas (TENS, Estimulação Elétrica Encefálica), Termoterapia (Calor e Frio), por Exercício Físico, Acupuntura, Treinamento Mental (Imagética, Caixa de Espelho, Hipnose), Educação em Dor, Exposição Gradual...Não faltam opções. Mas, falta entendimento dessas opções e treinamento para saber escolher o momento certo para cada uma delas: alivio da dor, ganho de função (musculoesquelética, neurológica, cardiopulmonar), treinamento de habilidades cognitivas, modificação de comportamentos. Cada modalidade tem um objetivo. Com isso, poder buscar as metas que o paciente deseja alcançar (se possível né?).

6. Projeto Movimento: Fale-nos um pouco da sua experiência com este público.

Dr. Artur: Atendo pessoas com dor crônica há mais de 10 anos, preferencialmente em equipe interdisciplinar. São pacientes com alto nível de complexidade, o que significa que as demandas trazidas necessitam da atenção de diversos profissionais de saúde. Essas demandas muitas vezes esgotam rapidamente a energia, cansam pelo discurso repetitivo, pelas falhas frequentes na escolha de modalidades. Ao mesmo tempo que é complexo, é extremamente desafiador, pois você precisa estudar além da fisioterapia para entender os contextos envolvidos. Muitos aspectos da neurociência e neurofisiologia se encaixam na apresentação clínica, o que teoricamente facilitaria nossa avaliação e tratamento. Porém, não podemos esquecer que a personalidade, as emoções, pensamentos e comportamentos afetam diretamente o movimento e que pensar em dor o tempo todo produz dor o tempo todo. Para quebrar esse ciclo, devemos adaptar nossas modalidades de tratamento individualmente e buscar estratégias educativas para esclarecer dúvidas, explicar sobre a dor de uma forma mais simples, desmistificar crenças que levam a problemas como a incapacidade funcional e, principalmente, fortalecer a relação de confiança. O paciente “mais crônico” vai ser aquele que está em constante sofrimento pela dor, por um tempo mais prolongado, onde tudo o que se faz dói e existe um discurso de que nada mais adianta, que tem medo de fazer as coisas por achar que vai doer mais. Esse é o paciente que eu gosto de atender e que, infelizmente, a maioria dos profissionais de saúde desistem. 

7. Projeto Movimento: Sabemos que o senhor tem um blog sobre dor crônica e que é crescente o uso dessa ferramenta, assim como páginas do Facebook, para fins de promoção de saúde. Como as mídias sociais podem ajudar pessoas com dor?

Dr. Artur: As mídias sociais podem ajudar trazendo informação e educação para as pessoas com dor. Isso se acreditarmos que tudo o que está na internet é válido, eficaz ou pertinente, o que não é verdade. As pessoas hoje preferem buscar as informações na internet do que se consultarem com os profissionais de saúde. É muito mais rápido e fácil buscar o conteúdo do que pagar uma consulta ou enfrentar o serviço público. Sempre procuro as informações mais atualizadas e mais verdadeiras, buscando um linguajar popular, metáforas, gírias e qualquer opção mais popularizada para construir as informações sobre dor no Blog ou Facebook. Estudos sugerem que os profissionais de saúde devam buscar um linguajar popular com seus pacientes e que expliquem a dor pela neurociência e neurofisiologia, evitando falar sobre anatomia, biomecânica e patologia. Acredita-se que um modelo biológico de educação fortalece a associação da dor a lesão tecidual ou a doença. Mas, é um lindo discurso com dificuldades de aplicação na prática clínica. Nosso modelo de saúde é biomédico. Nossos pacientes entendem sua saúde de uma forma biomédica. Então, devemos ter cautela ao querer mudar o mundo.

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   Nós resolvemos começar o ano encarando um desafio grande que é considerado um dos maiores na saúde em nosso país. Sim, estamos falando da dor crônica – em nosso caso, especificamente a dor crônica musculoesquelética. Sim, também sabemos que escutamos a respeito dela nas faculdades, nos consultórios, nas pesquisas ou até mesmo na nossa casa, afinal quem não conhece uma “Maria das Dores”. Então resolvemos começar um projeto para que essa roda de conversa alcance o vizinho. Queremos estudar a dor crônica, entender os mecanismos fisiopatológicos e comportamentais associados a ela, assim como as incapacidades e funcionalidades observadas com ela mas, além disso, queremos traduzir os achados do que lemos e fazemos para a população de Fortaleza. Somos do curso de Fisioterapia da Universidade Federal do Ceará e queremos alcançar aquela pessoa que diz ter dor nas costas, nas juntas, nos quartos e outros cômodos e não sabe bem como agir diante disso. Tanto não sabem que muitos ficam parados por aí, com medo do que ela pode virar e seguem, parados, esperando por acesso a saúde, por possíveis tratamentos que demoram a chegar e, quando chegam, já estão diante de um quadro bem mais complexo de ser encarado. “Não vou fazer isso porque dói”; “melhor ficar quieto que passa”; “Ah, antes eu fazia de tudo, mas agora eu tenho medo de fazer e piorar”... são frases comuns que escutamos. Sabemos que a dor não pode ser encarada simplesmente assim. Já conhecemos também os benefícios do movimento (bem) orientado para melhora da funcionalidade daquele que sente dor crônica – como a literatura já tem informações importantes sobre isso! Mas como passar isso para o vizinho, ah, sim, aí nosso desafio ganha outro tamanho. Como traduzir a informação científica para que ele entenda? Como avalia-lo e saber qual a necessidade do seu sistema corporal? Como fazê-lo aderir às recomendações propostas para seu perfil? E, finalmente, como podemos ajudar nosso sistema de saúde a descomplicar um pouco a dor? Ah, essa desafio é bastante desafiador! E como se já não bastasse, queremos transmitir o conhecimento aos quatro cantos do mundo através deste blog. Multiplicar os benefícios deste projeto e promover mais saúde para quem nos lê. Vem com a gente? Movimente-se! 

Projeto Movimento

Nossa equipe

RAFAELA FERREIRA ALVES

Acadêmica do Curso de Fisioterapia da Universidade Federal do Ceará (UFC); Extensionista do Projeto Movimento
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Acadêmica do Curso de Fisioterapia da Universidade Federal do Ceará (UFC); Extensionista do Projeto Movimento
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Acadêmica do Curso de Fisioterapia da Universidade Federal do Ceará (UFC); Extensionista do Projeto Movimento
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Maíssa Helena

Acadêmica do Curso de Fisioterapia da Universidade Federal do Ceará (UFC); Extensionista do Projeto Movimento
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Fabianna Resende de Jesus Moraleida

Fisioterapeuta, Doutoranda do programa de Pós-Graduação em Ciências da Reabilitação pela Universidade Federal de Minas Gerais, possui o título de mestre pelo mesmo programa (2009), com ênfase em Desempenho Motor e Funcional Humano. Possui especialização em Ortopedia e Esportes (2007) e graduação em...
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Ana Carla Lima Nunes

  Professora Assistente do Curso de Fisioterapia, Faculdade de Medicina (UFC). Graduada em Fisioterapia pela Universidade de Fortaleza (UNIFOR), Especialista em Terapia Manual e Postural, Cesumar (PR), Osteopata pela Escola de Osteopatia de Madri (sede Campinas/SP), Mestre em Fisioterapia -...
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