Discussões semanais de artigo
Olá a todos! Semana passada discutimos um pouco a natureza multifatorial da dor crônica e começamos a refletir sobre a complexidade do seu tratamento. Nesta semana, temos uma leitura muito interessante. O artigo propõe uma inovação de tratamento com terapia de exercícios para a dor musculoesquelética crônica, onde o tratamento baseia-se na alteração da memória de dor do paciente.
A dor musculoesquelética crônica como a osteoartrite, artrite reumatoide, fibromialgia, dor lombar, dor pélvica e epicondilite lateral, são caracterizadas pela plasticidade neural, que gera uma hiperexcitabilidade do sistema nervoso central (SNC), ou seja, a pessoa apresenta muito mais chances de ativar os nociceptores e assim responder muito mais frequentemente com quadros de dor, com isso, os terapeutas acabam tendo como objetivo tratar muito além de músculos e articulações, chegando até o sistema nervoso. Foi criado então, um modelo moderno chamado de neurociência da dor, onde promove estratégias de tratamento que tem o objetivo de diminuir essa sensibilização do SNC, ou seja, provocar terapias de dessensibilização a fim de diminuir os estímulos de dor.
Os tratamentos propostos para reduzir essa hiperexcitabilidade do SNC incluem exercícios físicos prescritos e a integração com a educação da neurociência da dor para pacientes com dor musculoesquelética crônica, propondo a alteração da memória da dor nesses pacientes.
Antes de partirmos para o tratamento específico, existem algumas etapas que devem ser observadas:
Preparativos para fornecer a terapia de exercícios:
1. Se o terapeuta apresenta os pré-requisitos para fornecer o conhecimento sobre a terapia de exercícios.
Nesse tópico o terapeuta necessita ter uma aprofundada compreensão dos mecanismos da dor e da transformação nociceptiva central em pacientes com dor musculoesquelética crônica, incluindo assim a compreensão da função do medo sobre a resposta da dor, e também do desenvolvimento e sustentação dessa dor crônica presente. Além do conhecimento, os terapeutas precisam demonstrar as suas habilidades de explicar para os pacientes como ocorre o mecanismo de sensibilização central de acordo com uma explicação baseada em evidências, ou seja, que apresentem estudos que comprovem a sua veracidade, para que o paciente possa compreender melhor e ter confiança no que lhe está sendo sugerido. Deve também estar apto para realizar um diálogo educacional para a construção do conhecimento. Por fim, os terapeutas devem ter as habilidades para aplicar uma variedade de intervenções de exercício, incluindo o treinamento neuromuscular.
2. Preparar os pacientes para receberem a terapia de exercícios utilizando a educação terapêutica da neurociência da dor.
Essa fase preparatória é importante para estabelecer um aprendizado mais aprofundado e promover uma reconceituação de dor para o paciente. A terapia depende da percepção do paciente sobre a sua dor e suas crenças, além das suas expectativas, que dependerá do seu nível de cognição e suas vivências.
- O papel do medo no neuromatrix da dor
Neuromatrix é uma rede de neurônios presente no nosso cérebro e que forma um conjunto de conexões. Uma área-chave do cérebro está relacionada a matriz de dor, que é a amígdala, muitas vezes referida como o centro de memória de medo do nosso cérebro, apresentando um papel fundamental em emoções negativas e memórias relacionadas à dor. Pesquisas recentes acreditam que a amígdala torna-se um facilitador do desenvolvimento da dor crônica, incluindo sensibilização das vias da dor no sistema nervoso central.
Desse modo o papel da amígdala mostra-se muito relevante para a realização da terapia de exercícios para os pacientes com dor musculoesquelética crônica, pois ela apresenta a memória da dor e mais precisamente a memória da dor aos movimentos, portanto, colabora com o hipocampo e com o córtex cingular anterior. O cérebro de pacientes com dor crônica musculoesquelética tem uma memória de proteção para os movimentos dolorosos, implicando em comportamentos e posturas de proteção como, por exemplo, postura antálgica, controle motor alterado ou até mesmo prevenção de certos movimentos.
A cinesiofobia, que é o medo de realizar certo movimento, é encontrada em alguns pacientes que apresentam dor crônica musculoesquelética. Isto deve-se ao fato de que estes movimentos quando realizados na fase aguda, provocaram dor, mas que são perfeitamente seguros de serem realizados na fase crônica sem a presença da dor, porém, o cérebro já adquiriu a memória de dor, associando tais movimentos com perigo / ameaça. Mesmo que se prepare para a execução dos movimentos “perigosos”, o cérebro tem a capacidade de ativar seus centros de memória de dor e empregar uma estratégia de controle motor. A terapia de exercícios trabalha aplicando a "exposição sem o princípio do perigo”.
- A terapia de exercícios para a dor crônica musculoesquelética
Essa etapa está pronta para ser realizada após a educação da neurociência da dor, depois que o paciente já entendeu que a sua dor é produzida pelo cérebro e adotou percepções menos ameaçadoras sobre a sua dor.
A terapia com exercícios pode incluir vários tipos de intervenções (por exemplo, controle do motor, o treinamento aeróbio ou fortalecimento muscular), e, teoricamente, pode ser aplicada numa variedade de distúrbios da dor musculoesqueléticas crônica quando a sensibilização central está presente.
A terapia de exercícios irá implicar na reorganização do conceito de dor para os exercícios, ajudando em uma fase posterior, na realização das atividades de vida diária como jardinagem e levantar objetos pesados. Dessa forma, o estabelecimento de metas é um ponto central do programa, utilizando o princípio da inteligência (SMART), que são metas específicas, mensuráveis, atingíveis e realistas. Os pacientes devem ser encorajados a redefinir objetivos funcionais como voltar ao trabalho. Estes objetivos devem ser usados para motivar o paciente e aumentar seu desempenho e expectativas para o resultado do tratamento.
Também devem ser estimulados questionamentos e debates aprofundados sobre a percepção dos pacientes em relação aos exercícios, incluindo discussões sobre o medo e as consequências esperadas. Esta comunicação é tão importante quanto realizar o próprio exercício, pois facilita a aplicação dos princípios da neurociência e ajuda na aliança entre o profissional e o paciente, gerando confiança para o paciente. A aprendizagem associativa ocorre quando o paciente com dor crônica é exposto a exercícios ou atividades diárias sem perigo, “convencendo” o cérebro em alterar as memórias da dor.
A progressão dos exercícios é voltada para os movimentos em que o paciente apresenta medo, o que torna o programa individualizado. A progressão final inclui a realização de tarefas e movimentos temidos e em condição psicológicas estressantes.
- Usando estresse para alterar as memórias de dor relacionada com movimento
Na prática, os exercícios realizados devem ser estressantes, pois o estresse ajuda na liberação de cortisol e adrenalina, estimula a plasticidade neural, influenciando a aprendizagem e o desenvolvimento de novas memórias de dor. Este é o caso da prática dos movimentos temidos. No entanto, o aumento do estresse também pode acarretar o aumento da sensibilização central. Portanto, deve ocorrer um equilíbrio entre o estresse suficiente para causar a consolidação da memória, mas não o suficiente para aumentar a sensibilização central. Estudos mostram evidências do efeito sinérgico positivo da associação da educação em neurociência com a terapia de exercícios direcionados.
E você? O que achou do artigo proposto esta semana? Você já tinha pensado sobre a capacidade plástica da dor (capacidade de gerar modificações no funcionamento e estrutura do sistema nervoso)? Quais os principais aspectos que podemos incorporar na nossa prática com o paciente, de acordo com a terapia por exercícios exposta?
Artigo completo: 2 Nijs et al 2014.pdf (212806)